sexta-feira, 15 de abril de 2011

O Ballet e o Homem


O ano 2000 chegou, o próximo milênio está por vir e algumas coisas insistem em não mudar. Como conceber que, ainda hoje, uma manifestação artística importante como a dança continue possuindo um estigma tão forte? Em um país latino e machista como o Brasil, a incursão de homens pelo balé é sempre associada ao homossexualismo. Isso provoca a inibição de potenciais talentos, criando uma verdadeira carência de artistas na área.
    A professora Débora Tabra, coordenadora da Escola de Dança do Teatro Guaíra, conta que a instituição na qual trabalha chega a oferecer bolsas para meninos e rapazes interessados na arte do balé. "O mercado precisa tanto de homens que eles nem precisam dançar maravilhosamente bem para entrar em algum grupo", diz. A formação tardia dos bailarinos brasileiros em relação às meninas aumenta a distância técnica entre profissionais dos dois sexos.
    Para Débora, o preconceito sobre a dança é resultado de falta de compreensão da arte em si. "Quem conhece o papel masculino dentro do balé sabe que é preciso muito preparo físico e virilidade". Contudo, muita gente ainda acredita que os bailarinos fazem os mesmos movimentos delicados e suaves das moças.
    O interesse de meninos pela área muitas vezes é podado pelos próprios pais. Além de todas as questões que envolvem a sexualidade, o fator econômico acaba sendo determinante no discurso anti-balé. "Minha mãe teve um certo receio no início, pois acreditava que a profissão não dava futuro", lembra o bailarino Márcio Ribeiro, de 22 anos. Estudante do 2º ano da FAP e aluno do curso do Guaíra, ele já deu aulas e atualmente trabalha com dança no Parque da Mônica.
    A qualidade de vida trazida pelo balé surpreendeu a família de Tales Gabriel Bueno, de 11 anos. "Ele ficou mais solto", diz Rosângela Viana, mãe do garoto. No entanto, Tales ainda tem problemas em assumir para os amigos sua atividade. "Ele não conta para todo mundo. Os meninos do prédio às vezes vêem ele chegando da aula e tiram um sarro, mas digo para encarar tudo com bom humor".
    Rodrigo Vieira, 18, dança há quatro anos e conta que o preconceito muitas vezes acontece dentro da escola de balé. "Muitas meninas soltam piadinhas de mau gosto. Já vi garotos que chegaram a chorar". Para ele, um grande problema do balé brasileiro é a falta de uma didática mais direcionada para os homens. Sempre tendo aulas com mulheres, os bailarinos acabam adquirindo os trejeitos de suas colegas.
    Débora Tabra conta que a Escola do Guaíra se empenha em desmistificar o balé para os rapazes. "A gente começa mostrando os tipos de dança que eles aceitam, até chegar na clássica". Com os alunos menores, os professores procuram mostrar casos de bailarinos conhecidos e respeitados. De acordo com Débora, os meninos mais novos normalmente não apresentam problemas em relação ao preconceito contra a dança. Porém, a resistência de alguns pais de adolescentes ainda é forte. "Muitos jovens param de dançar pelo fato dos responsáveis pressionarem. Eles acabam dando uma pausa para conseguir uma certa independência financeira, então retomam os estudos".
    Para a professora Maristela Teixeira, coordenadora artística da Escola do Balé Bolshoi, em Joinville, a solução para o fim da discriminação aos bailarinos deve partir dos próprios profissionais da área. "É preciso batalhar por reconhecimento, não apenas reclamar de falta de espaço". Débora Tabra discorda um pouco de sua colega catarinense: "Acho que os profissionais de dança já fazem mais do que podem. São artistas só pelo fato de trabalharem enfrentando situações tão difíceis". Mas ela afirma que os bailarinos devem se preparar melhor, pois só assim será possível mostrar seu potencial para quem pode ajudá-los a mudar esse quadro.
    Contra o preconceito enfrentado pelos bailarinos em seu cotidiano, Márcio Ribeiro aconselha apenas a tranqüilidade. Para ele, a segurança de estar fazendo o que realmente gosta é o mais importante.
    O psicólogo Perci Klein compartilha da mesma opinião, mas acredita que os rapazes devem estar preparados para enfrentar momentos desagradáveis. "É preciso ter noção das conseqüências, pois sempre vão ser motivo de piadas e risos". De acordo com Klein, as famílias não têm muito o que fazer se a dança é a verdadeira vocação de seus filhos. Para ele, a questão é cultural e está relacionada com os valores apresentados nos meios de comunicação. Se um menino brasileiro aprende desde cedo a brigar e jogar bola, a mesma coisa nem sempre acontece em outros países. "Na Rússia, se um garoto entra para o Bolshoi, a família fica na maior alegria", diz.
Gazeta do Povo - Caderno G

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